(imagem retirada da internet)
- Eu chego por volta das oito e meia da noite. – responde
Ana à sua tia, pelo telemóvel.
- Então vê lá… não te atrases, senão perdes o comboio!
- Não se preocupe, tia. Eu chego a horas.
Sem dúvida que Ana chegaria a tempo,
pois já se encontrava na estação. E pouco passava das treze horas. Ao desligar
a chamada, pensa que já está na altura de comer qualquer coisa e largar o
telemóvel de vez. De tempos a tempos, continuam a cair mensagens de texto
insultuosas, às quais ela não quer responder. Já chega! Não há volta a dar!
Decide levantar-se do banco frio
da sala de espera, pegando na mala de viagem pela mão e na mala de mão pelo
ombro e seguindo caminho até ao centro comercial. Não é que a mala esteja
pesada, até porque tem rodas e pode muito bem ir a rastejar no chão, deixando
para trás memórias que devem estar enterradas. Não é que o lanço de escadas
conte muitos degraus para o piso inferior. Não é que Ana esteja fisicamente
cansada. Acontece que o facto de ter um elevador a dois passos dá-lhe a vontade
de aproveitar para se isolar por uns segundos do resto da população. O que
melhor do que um cubículo envidraçado e insonorizado para criar o perfeito
isolamento? Ana consegue perceber que a caixa do elevador está neste momento
parada no seu piso e aumenta a velocidade para conseguir apertar o botão de
chamada, antes que se fosse embora. De óculos escuros e com os cabelos lisos a
tapar-lhe parte da visão, nem repara que está em rota de colisão com outro
passageiro. Mas a única coisa que vê é o botão. Está a meio metro de distância
quando, de repente, embate com o ombro esquerdo naquilo que parecia uma parede
de betão, construída em milésimos de segundo. Ao aperceber-se, repara que à sua
frente jaz um braço de homem. Levanta os óculos e segura-os na cabeça. Olhando
rapidamente para a mão, procura o dedo anelar. Não tem aliança! Não é
comprometido! Mas que perseguição! Levanta a cabeça num ápice para deslumbrar o
possível otário que a magoaria mais uma vez na sua longa história de dor emocional.
Depara-se com uma figura tipicamente portuguesa, de olhos verdes e cabelo
escuro, latino, alto e com um físico para o magro. Mas a sua experiência
dizia-lhe que por baixo daquela roupa a história era outra… Porra, mas porquê?
- Peço desculpa, não a vi… -
ouve-se.
Sem ligar muito às palavras, o
tom ecoa pelos ouvidos de Ana à velocidade da luz, de tal forma que sente um
arrepio nas têmporas. O olhar cola-se à cara dele e deslumbra um meio sorriso
junto com um levantar de sobrancelhas que parecia dizer “Vê lá se andas mais
devagar!”. Hipnotizante. Não deveria ter mais do que vinte e cinco anos de
idade. Era um puto! A realidade leva a melhor e Ana responde, desviando a cara:
- Não faz mal.
O dedo dele avança para o botão.
Ana acompanha a ponta deste, desejando que lhe tocasse a ela. Não! Por amor de
Deus, é um puto! A porta abre-se. Por sorte, o elevador não escapou, tal era a
sua utilização… Surpreendentemente, Ana não é convidada a entrar primeiro. Não.
É passada à frente por aquele pedaço de homem, de ombros largos, com um rabo
empinado, pequeno e arredondado, estúpido de merda, mal educado! Pensou ela. Entra
de seguida, esperando que desta vez ele se digne a perguntar “Para que andar?”
e que ainda faça o favor de carregar no botão certo. Mas mais vale esquecer. A
mais velha é ela, portanto ela é que manda. Atira o indicador para o zero e
investe com um olhar prestes a rasgar um sorriso amarelo que diria “Não é
preciso. Sei muito bem para onde vou. Sei muito bem quem sou e não preciso que
faças nada por mim, porque homens como tu só sabem fazer o mesmo. Por isso,
desaparece-me da frente e…” O pensamento de Ana é interrompido pelo olhar verde
e exuberante. A lâmpada do elevador está fundida. Não faz mal. Parece que o Sol
mudou de morada. Sem retirar o dedo do botão do zero, fixa-se naquele olhar
penetrante. Desta vez, o sorriso é maior; tão maior que já se vê uma parte do
contorno das gengivas nos dentes. Ainda mais apaixonante para Ana, que já não
via um sorriso assim há algum tempo. O rapaz, sem tirar o olhar de cima dela,
segue com o dedo para o zero. Os dois dedos encontram-se no botão, roçando pele
com pele. Ana sente um arrepio que lhe percorre desde o braço, passando pela
espinha e desembocando entre as pernas, provocando uma ligeira contracção. A
porta fecha-se. A caixa dá um solavanco, indicando que vai iniciar viagem. É aí
que ambos acordam. Os dedos despedem-se, tristemente. E relatam esse sentimento
aos olhos de cada um dos protagonistas, que por sua vez baixam o olhar para o
piso sujo da caixa. O tempo passa devagar, mais do que o desejado para uma
mulher ainda casada encafuada dentro de um cubículo com um universitário
insolente. Provocador. Mania que é bom! E deve ter razão…
Acaba-se a longa viagem no
momento em que a porta abre, dando entrada ao ar fresco, frio, gelado da rua,
para contrastar com o bafo que se gerou no interior. Parece que o toque dedal
transmitiu boa educação ao jovem, porque desta vez esperou que a “senhora”
avançasse primeiro. Ana sai, puxando a mala. Sem notar, tal era a pressa para
desaparecer daquele momento, passa com uma das rodas da mala por cima do pé do
jovem. Este retrai-se, lançando o corpo para trás e recolhendo rapidamente o
pé. Perplexo com a falta de reacção da “rapariga”, tomando-a por uma inocente
desastrada, diz:
- Então boa tarde! – esperando
um olhar de volta.
Ana olha muito depressa e sorri,
mais ou menos percebendo o que acabara de fazer. Conforme roda a cabeça, volta
a colocar os óculos escuros no nariz e segue caminho em direcção ao centro
comercial. O rapaz sorri sozinho e segue caminho também. Poucos segundos passam
até ouvir, de longe, ecoando na gare:
- Peço desculpa, não o vi!
O rapaz abranda o passo, mas a
mente ordena-lhe que avance. Ainda olha para o lado, mas já era tarde. Já só
via os cabelos lisos a esvoaçar com a pressa.
***
A montra da loja de perfumes é
apelativa, mas o cheiro nauseabundo que se sente naquele corredor faz com que
Ana desista de adquirir uma nova fragrância. Queria que tudo fosse diferente a
partir daquele dia. O enjoo com o cheiro é cada vez maior e aumenta porque
ainda está a digerir a comida de plástico que comera há algum tempo. Pode ser
que um café ajude. Arrastando a mala pelo corredor do centro comercial, procura
um elevador, pois não quer passar pela vergonha de passear com uma mala de
viagem nas escadas rolantes. Para além disso, o espaço está a ficar cada vez
mais cheio de pessoas. Tantas pessoas. Demasiadas para o gosto de Ana.
Refugia-se no corredor de acesso ao elevador e espera ao lado de uma senhora mais
velha, na casa dos sessenta ou setenta. A porta abre-se e a senhora entra. Ana
segue-lhe o passo e aguarda que o elevador arranque depois de marcar o dois, de
costas para a porta, olhando para as janelas redondas da caixa, que mostravam
uma parede colorida com peixes e afins marítimos. Mais afogada do que isto é
impossível! Entra mais um passageiro, pelo que de seguida ouve a senhora a
dizer:
- É para o um… se faz favor. –
fechando-se a porta. – Tão simpático, sim senhor. Feliz seja a senhora que o
tiver ao lado!
Ana ri-se para dentro, revirando
os olhos. Só lhe faltava agora presenciar um engate geriátrico em pleno
elevador! Só por causa disso, começou a enjoar de novo com o cheiro do perfume.
Já nem sabia se era o dela, o da velhota ou o do velhote. Mas pelo menos um
deles cheirava bem. Passaram alguns segundos e a caixa parou. A senhora idosa
sai, mas não sem deixar para trás:
- Bem haja, meu jovem. Bem haja!
Muito obrigado!
As palavras da velhota deixaram
Ana a sentir-se enganada. Jovem? Está bem, então. Só por curiosidade, vamos lá
ver isso! Ao rodar em tom de inocência, depara-se com uns olhos verdes… O Sol
mudou novamente de morada, desta vez para o fundo do mar! Raios partam isto! O
puto outra vez! E a porta fecha-se. Não dá para fugir. Ele sorri, como se a
conhecesse de longa data e prontamente dirige-se-lhe:
- Olha quem é ela!... Estava
mesmo à sua procura! Sabe, vim agora do hospital… - e silenciou.
- Eu peço imensa desculpa… -
responde Ana, sorrindo e balbuciando. – Foi mesmo sem querer… Mas não o vejo
com ligaduras…
A tentativa de mostrar alguma
piada começou a parecer que teria consequências. Não é coisa que se faça em
ambientes fechados.
- Naaa… estou a brincar. –
respondeu ele, rindo. – Não foi nada de grave. Acho que sobrevivo.
E pela primeira vez, Ana sente
um pesado remorso e, sem pensar, diz:
- Eu sei, mas sinto-me mal. Se
quiser ofereço-lhe um café. Ia agora beber um…
- Pode ser. – diz ele, muito
rápido. – Calhava bem, agora.
Ana sorri, pensando que ele iria
dizer que não. Queria tudo menos companhia, agora. Mas… porque não? Pelo menos,
passava o tempo. Sem mais conversas, chegam ao último piso e dirigem-se, lado a
lado, a um dos quiosques de café. Ao contrário do que pensava, Ana vê-se
obrigada a sentar numa mesa, após convite do rapaz. Era melhor ficarem em pé no
quiosque. Sempre dava um ar mais impessoal. Os cafés são sorvidos lentamente,
num silêncio quase perturbador. Ele decide cortar o gelo:
- Já reparei que vai de viagem.
– apontando para a mala.
- Podia estar a regressar de
viagem…
- Não me parece… para estar aqui
a passear… parece que está mais à espera de embarcar.
- Tens estado a seguir-me?
- Já nos tratamos por “tu”?
Ana engole em seco.
- Ah… pois… desculpa… Aliás!...
Desculpe!
- Ahahah! Não faz mal. Prefiro
assim. Também não sou assim tão novo… E você não é assim tão velha… Por isso,
prefiro o “tu”. Pode ser?
- E quem lhe disse que eu sou
nova? – ignorando a pergunta.
- Qualquer um o pode dizer.
Lisonjeada e a corar, Ana
retorque:
- Saíu-me sem querer… É por
teres um aspecto muito novo.
- Está decidido! É “tu”!
- Muito bem. Que seja. –
mostrando-se superior. – Então e quantos anos é que TU tens?
- Quantos anos é que me dás?
- Pronto, lá vem a conversa da
treta…
- Calma, só estou a colocar uma
questão pertinente, uma vez que achas que eu sou assim tão novo.
- Hhmmm… eu diria uns vinte e
três… - pensando nos vinte e cinco e terminando com um toque suave. - … mais
coisa, menos coisa.
O rapaz aguardou uns segundos.
- Aceito. Mas falhaste.
- Então?...
- Tenho vinte e oito.
- A sério?
- Sim, a sério.
Ana decide compensá-lo, não
tirando o olhar.
- Eu tenho trinta e três.
- Não ia perguntar…
- Mas ficas a saber.
À medida que o ambiente se vai
tornando quente, o olhar de Ana começa a percorrer a multidão, como se
procurasse um igloo para se esconder. Ele poderia percorrer o olhar na multidão
também, mas prefere fazê-lo em Ana. Subtilmente, vai reparando no decote que
insiste em não aparecer por completo sob o casaco comprido que ela veste. Ana
retira as mãos de cima da mesa para as colocar sobre as pernas. Sentia-se
invadida. Mas o que é que eu estou aqui a fazer com um puto? Quer dizer, parece
um puto, mas afinal não é. Pois, afinal não é crime. Ele decide confortá-la:
- Sou o João, já agora…
- E o que é que o “João Já
Agora” anda aqui a fazer? – retorquiu ela, com um sorriso.
- Ahahah… que piada… - rindo. –
Bem, também vou de viagem… “já agora”!
- Muito bem…E para onde?
- Faro. Algarve. E tu?
- Alentejo.
João recosta-se na cadeira,
comprometido. Indeciso se deveria continuar com o mesmo assunto, prosseguiu
conversa:
- E a que horas é o comboio?
- Às seis… perto das sete.
- Mas és de lá? De que cidade?
- Sim, nasci lá. Mas vivo aqui
em Lisboa. – respondeu Ana, evitando olhar de frente.
- Ok… E vais de férias ou de
fim-de-semana?
Ana aguarda uns segundos e
responde:
- Fim-de-semana. E tu?
- Eu vim cá em trabalho.
- Então moras lá, certo?
- Lá onde?...
- Em Faro! Não disseste que ias
para Faro?
- Ah, sim! Sim, exacto. Vim cá
em trabalho, como disse… e agora vou voltar.
- Então quer dizer que trabalhas
lá…
- Sim… é isso… Ahahah… que
confusão.
- Não acho confuso, por acaso. E
fazes o quê?
João hesita. Junta as mãos sobre
a mesa, aproximando-as da chávena de Ana. E pergunta:
- E tu fazes o quê?
Ana ri, lembrando-se de que
talvez estivesse, de facto, a falar com um adolescente. Pensou imediatamente
que a conversa não teria grande rumo e procurou desligar-se da situação para
seguir o seu caminho.
- Não vale a pena irmos por aí…
- Disse alguma coisa de mal? –
perguntou ele, indignado.
- Sabes… isto não faz muito o
meu género. – confessa Ana, coçando a cabeça, dando um ar mais imaturo. – Não é
de mim falar com estranhos assim desta maneira.
- Há maneira melhor?
- Não sei…
- Do que queres falar, então?
Perplexa com a insistência, mas
ao mesmo tempo curiosa, prossegue:
- Não sei o que há para falar…
Se tens essa vontade, sugere tema.
- És bonita.
- Eu vou ser o tema de conversa?
– ignorando o que acabara de ouvir.
- Tu, não. Nós.
- E o que somos nós?
- Estranhos. Um rapaz solteiro…
uma rapariga solteira…
- E quem te disse que sou
solteira?
- Pelo menos, pareces. Não tens
aliança.
Neste momento, Ana lembra-se da
noite anterior. A noite em que retirou a sua aliança do dedo. Para nunca mais
voltar a usar. Dez anos de casamento ao ar! Tudo por uma parvoíce! Tem agora a
vontade inexplicável de contar tudo a este estranho, vindo do nada. Mas João
“salva-a”, continuando:
- … E não estarias aqui agora
comigo, se fosses casada.
Alinhando na história, Ana segue
o rumo:
- Sim, pois, é verdade. Não sou
casada.
- Então podemos ser abertos e
falar do que quisermos.
- Talvez. Depende do assunto.
- Eu sugeri falarmos de nós.
- Então, o que tens a dizer?
- Tenho a dizer que és uma
pessoa que me atrai.
Ana congela. E João continua:
- E desde o momento em que
choquei contigo que tenho uma vontade louca de te beijar…
- Tens a noção do que estás a dizer?
- Tenho. E tu, o que tens a
dizer sobre isso?
- Eu… - balbuciou, sentindo-se
confrontada. - … eu não sei o que responder a isso…
- Tens a mesma vontade?
Olhando nos olhos de João,
surpresa por tão grande frontalidade, Ana quase que fica sem palavras. Mas
resiste e tenta alinhar na conversa.
- Talvez tenha essa vontade… não
teria nada a perder.
- Eu também não teria nada a
perder. Seríamos ambos a ganhar. – insiste João, com um olhar sedutor e com um
sorriso maroto. – Resta saber se queres…
- Este não é o sítio mais
apropriado… - defende-se Ana.
- Então qual é?
Chega o momento de Ana fazer uma
muito breve avaliação da sua vida. Sim? Não? Que se lixe! Porque não? Nunca
mais o vou ver, de qualquer maneira. E faço o que quero.
- Vamos sair daqui? –
levantando-se da cadeira e pegando de novo na mala de viagem, que agora já
estava a começar a estragar a situação.
João segue-a de lado.Olha-a,
vislumbrando como quem olha para um troféu de outros tempos. Ana está
determinada a deixar-se levar pela situação, mesmo não sabendo bem o que fazer
sobre isso.
***
Estão já demasiadas pessoas a
circular no centro comercial. Este facto começa a tornar-se demasiado incómodo
para ambos. Ana sente que João agora está mais tímido. Aquela conversa de
engate à macho revelou-se só conversa, mesmo. No fim de contas, era um puto que
ela tinha à frente. Com a testosterona em alta. Pois, então porque não
aproveitar isso? Dar uns beijos ou umas apalpadelas ao rapaz fazê-la-ia sentir-se
renovada, como se estivesse a saldar uma dívida. Uma dívida com o Diabo. Seria
pecado? Sentiria remorso depois? Ele não a conhece, ela não o conhece. E já que
agora é uma mulher livre, pelo menos na teoria, não há nada a perder.
Seguem pelos corredores do
centro. Incomodado com o silêncio entre os dois, João pergunta:
- É suposto irmos onde?
- Boa pergunta… Ainda estou a
pensar no que fazer…
O rapaz tenta pegar na única mão
livre de Ana. Esta aceita, mas por poucos segundos. Sorri, para compensar. João
interrompe o passeio, coloca-se à frente de Ana e insiste:
- Vamos tornar isto mais
interessante. Pode ser?
- O que tens em mente?
- Queres ir ver as modas? –
apontando para uma boutique próxima.
- Pode ser. – responde Ana,
sorrindo.
Ana achou que João estava
lentamente a esquecer o assunto e a querer dá-lo como uma simples conversa
pecaminosa entre dois estranhos. A verdade é que a tensão aumentava. Na loja,
ela começa por apreciar algumas peças. Deslumbrando uma saia, olha para João,
como se perguntasse directamente a opinião dele, levantando as sobrancelhas.
Como resposta, ele olha para uma área contígua, onde era exposta a lingerie da
colecção. Ao aperceber-se, Ana ri. João sugere que ela experimente uma saia,
apontando para uma área oposta.
- Já estou a ficar farta de
andar com a mala para todo o lado… Segura aqui. – Passando a pega da mala para
João e pegando na saia.
Em modo precipitado, dirige-se
aos provadores. Achou que estaria a provocá-lo. Quem sabe se ele não daria uma investida
ali mesmo? Não sabia, mas era um bom teste. Oh! Como ela o desejava! Ao entrar
no provador, despe-se à pressa, tirando as calças que trazia vestidas.
Rapidamente, veste a saia, magicando a postura que envergaria ao sair do
provador para mostrar ao seu “amado”. Começa a treinar poses sensuais em frente
ao espelho. Dobra-se ligeiramente para alisar a saia com as mãos. Ao levantar a
cabeça, vê pelo reflexo a cabeça de João a espreitar pela cortina. Apanhada de
surpresa, mantém uma cara séria. Ouve-se a pouca distância:
- O senhor precisa de ajuda? –
pergunta uma funcionária da loja, indagando o aparente“voyeur”.
Virando-se para trás, este
responde:
- Estou com a minha mulher.
Obrigado.
A funcionária sorri, acenando
com a cabeça, e volta para trás. Ana, espantada com a resposta, e ao mesmo
tempo excitada, puxa João pelo casaco para dentro do provador e fecha de novo a
cortina. Do lado de fora, apenas se vê uma mão a transportar rapidamente a mala
de viagem para dentro do provador. Por poucos segundos, olham-se nos olhos.
João estende os lábios para os de Ana. Deixando-se envolver, esta agarra-o pela
cintura. Agora és meu. Faz o que tens a fazer e vai-te embora! As bocas
envolvem-se, cada vez mais molhadas. Espera!... Não te vás ainda embora!
Continua o que estás a fazer! João encosta as mãos ao separador dos provadores.
Ana passa as mãos para o rabo dele, abraçando a cintura, agarrando-o como quem
agarra as barras de protecção de uma montanha-russa. O rabo é mesmo empinado!
Enquanto que o beija, afasta-o ligeiramente com as mãos, agora à frente,
despindo acima das calças o suficiente para conseguir tocar-lhe na barriga.
Enfia o polegar no umbigo que se apresenta nú à sua frente e começa a percorrer
o tronco, fazendo a mão sair na gola e conseguindo tocar no pescoço. Com a
outra mão, agarra o cabide de parede por cima da sua cabeça. Ele aproveita para
lhe beijar o pescoço, enquanto que ela se contorce de prazer. A mão passa a
descer pelo tronco até à cintura, fazendo uma tentativa de entrar por dentro das
calças. O que ela procurava, rapidamente encontra, pois já se coloca “fora do
seu lugar”. Decide ir mais fundo e colocar a mão inteira dentro das calças,
chegando a conseguir tocar na virilha de João com a ponta dos dedos. Tem a
certeza da excitação do parceiro quando sente o pulso com uma certa… humidade.
João agarra-a pela perna, levantando-a e apalpando todo o contorno dos glúteos
de Ana.
Subitamente, ele pára e olha nos
olhos dela. Sorri. Ela mantém a cara séria. Porque é que paraste? Quem é que te
mandou parar?
- Posso perguntar-te uma coisa?
- O que foi? – retorque Ana,
sentindo-se incomodada com a interrupção.
- Como é que te chamas?
Em vez de responder, Ana puxa-o
pela cintura das calças, com metade da mão do lado de dentro e beija-lhe a cara
e o pescoço, impedindo-o de voltar a falar. Enquanto que desempenhava o seu
papel carnal, Ana começa a indagar sobre a parte emocional. Não querendo ferir
a susceptibilidade de João, responde, quase murmurando:
- Joana…
A reacção do rapaz não passa
despercebida, pois agarra-a com mais intensidade, voltando a cobrir-lhe o
pescoço com beijos, mesmo com os cabelos que já se metiam no meio e que perdiam
cada vez mais a compostura. Diz ele, então, pausadamente:
- És… mesmo… boa… Joana…
É neste momento que se ouve um
toque de telemóvel. Dentro de Ana acontece uma falha de energia. Em poucos
segundos, a excitação vai-se. Evapora-se. Já não são faíscas e choques
orgásmicoso que ela sente. Agora é só um estranho a tocá-la. Ele pensa que eu
sou outra pessoa. Onde estou? O que estou a fazer? Será do telemóvel ou do que
ele disse? João sente a lenta paragem e decide acalmar os ânimos. Não retirando
o olhar de cima dela, beija-a como se fosse o primeiro beijo, como os de
cinema. Um beijo apaixonado. Ela não reage. Mas sorri, como forma de
agradecimento, e trinca o lábio inferior, mostrando satisfação. João afasta-se
lentamente enquanto que arranja a roupa meio despida. De seguida sai do
provador e aguarda do lado de fora, puxando consigo a mala de viagem de Ana.
***
Já não falta muito tempo para o
comboio. Quase uma hora. Enquanto que passeiam na gare fria e ventosa, Ana
tenta esconder-se dos olhares das outras pessoas. Não quer ser vista com ele.
Mas como é um sítio tão populoso, talvez passem despercebidos. Mesmo assim, o
incómodo está presente e decidem esperar pelo comboio num local mais abrigado.
Refugiam-se para o fundo do corredor inferior, onde se sentam.
- A que horas é o teu comboio? –
pergunta Ana.
- Daqui a pouco. – responde
João, com alguma tristeza.
- Gostei de estar contigo. –
agradece ela, sorrindo.
- Eu estou a adorar estar
contigo.
O silêncio predomina e torna
cada vez mais difícil reatar a conversa. Mas João, insistente e demonstrando
interesse, pergunta:
- Queres ficar com o meu número?
- Para quê?
- Não sei… Talvez nos possamos
encontrar um dia destes.
- E porque é que tu irias querer
isso?
- Penso que fui bem claro no
provador…
- Sem dúvida… - responde Ana, em
tom provocador e a rir.
- Tu também não foste nada má…
Ana abre a boca em tom de
estupefacção ao mesmo tempo que sorri em tom jocoso. Bate com a palma da mão no
peito dele, empurrando-o para trás. Não era esse o desejo dela, muito pelo
contrário! O que ela queria era puxá-lo novamente e que ele a possuísse ali
mesmo. Salta para cima de mim, bonzão! Mostra o que vales! João agarra-a pelo
braço e aproxima-se, rindo, para lhe beijar a boca. Ana muda a atitude,
retraindo-se e dizendo:
- Aqui não…
- Oh… vá lá… - João com cara
triste.
- Não… já chega…
- Mas eu quero…!
- Sim, mas eu não quero. Pára
com isso.
- Vá lá! – insiste João. – Quero
despedir-me…
- Já disse… aqui não…
João levanta-se e puxa Ana pelo
braço com uma mão e pela mala de viagem com a outra. Ela insiste em dizer
“não”, mas deixa-se levar, rindo pelo caminho. Entram por uma porta de acesso a
um parque de estacionamento. Numa zona mais escondida, canto escuro, ao lado de
uma viatura, encostam-se à parede e repetem algo parecido com o que fizeram
antes no provador da loja. Mas desta vez, João está encostado à parede. No
seguimento dos beijos e apalpadelas, Ana começa a desapertar o cinto de João,
ao mesmo tempo que dá uma panorâmica no parque de estacionamento, garantindo
que ninguém estava por perto. Já lhe desapertou o botão das calças. A braguilha
também é de botões. Desapertar um a um? Nem pensar! “Zás”! As mãos de Ana já
percorrem toda a zona íntima de João, que por sua vez encosta uma mão à parede
e outra ao carro estacionado, enquanto que ela se baixa, colocando-se quase de
joelhos de frente para ele. João sente o calor da boca de Ana no seu pénis e
fecha os olhos, com uma expressão de contentamento. A respiração torna-se mais
ofegante, soltando alguns gemidos de prazer em tom baixo, para não chamar as
atenções. Nunca pensou em estar num sítio daqueles a fazer aquele tipo de
coisas. Ana delicia-se com o momento, agarrando-o com uma mão e segurando-se
com a outra na perna de João. E o telemóvel volta a interromper…
- Merda para isto! – resmunga
Ana, abrindo a mala de mão e, olhando para o visor do telefone, repara que
recebeu mais uma mensagem de texto.
Desta vez, desliga o som do
mesmo. Pensando em qual seria o insulto que iria ler, decide não abrir a
mensagem. Entretanto, a vontade que tinha esmoreceu. A vontade de continuar a
“comer” aquele gajo! Levanta-se. Olha para ele em tom de perdão. João entende
e, sem palavras pelo meio, dá-lhe um beijo terno, vestindo-se de seguida.
Aproveitando para não deixar o ambiente ainda mais constrangedor e percebendo
que se tinha distraído, pergunta:
- Reparaste que horas são?
- Hã… Acho que são seis e meia…
Temos que…
- Foda-se! – interrompe João. – Perdi
o comboio!
- O teu comboio era agora?!...
Porque é que não disseste nada?
- Desculpa… Estava tão fixado em
ti que nem dei por isso…
- Tem calma. Não consegues
apanhar outro?
- Não. Tinha reservado para
este. É sexta-feira… Duvido que consiga apanhar outro. Mas não faz mal. Vou de
carro.
- De carro?
- Sim… Não há problema. Dinheiro
não é problema. Alugo um carro e pronto.
- Ok… Tu é que sabes…
Ana sentia-se culpada pela
situação, embora se tentasse mostrar indiferente. Respirou fundo e contornou o
carro para sair do canto escuro. João puxa-a de volta, agarrando-a pela
cintura, com o intuito de a abraçar. Sem dizer nada, Ana tenta soltar-se.
- Joana… - chama ele por ela.
Ao ouvir aquele nome falso, Ana
enche-se de fúria e solta-se com força dos braços de João. Sem se lembrar que a
sua mala de viagem estava no meio do caminho, entre o carro e a parede, e dada
a pouca visibilidade que tinham naquele canto, tropeça sobre a mala,
estatelando-se no chão, encostada à viatura. João acorre a levantá-la.
- Estás bem? – pergunta.
Por acaso, nem se magoou. O pior
mesmo era a mancha de óleo que jazia no chão, provavelmente do carro que ali
estava. Pior ainda… as calças completamente mascarradas! Recorre aos lenços que
tira da bolsa para limpar as mãos. Olhando para a sua triste figura, Ana
depressa tira da mala um saco… com a saia que havia comprado na loja. Não tinha
tempo para escolher outra peça de roupa. Era o que estava à mão! E tinha de
correr para o comboio! Sentindo-se inútil para ajudá-la, João passa para uma
área mais visível, vigiando a zona envolvente. Vira-se para trás e avisa:
- Despacha-te, antes que apareça
alguém.
- Eu sei! Eu sei! – geme Ana,
apressando-se a trocar de roupa.
Em pouco tempo, os dois saem
daquele sítio. João acompanha Ana até ao piso superior para levá-la ao comboio,
arrastando a mala. Ana tira-lhe a mala da mão e ultrapassa-o. Olha rapidamente
para ele e diz, sem parar o passo:
- Obrigada por tudo… - e avança
a correr, deixando-o para trás.
Sobe as escadas rolantes,
saltando os degraus o mais que podia. A saia nova ainda não estava ajustada ao
corpo! A mala parece mais pesada agora! Merda! Os degraus inferiores não deixam
a mala subir à mesma velocidade! A falta de força nos braços faz com que Ana
largue, sem querer, a pega da mala, ao tentar puxá-la para cima. O efeito acaba
por ser o contrário. Ana vê a sua a pega da mala retrair e esta a cair pelos
degraus abaixo. Sem saber o que fazer, dado que os degraus continuam a subir
mas a mala parece querer descer, olha para cima e para baixo. Um dos
transeuntes que passava no topo, apercebendo-se da situação, acorre a carregar
no “stop” de emergência das escadas rolantes.
- Não! – grita Ana.
E as escadas param
imediatamente. Sem agradecer, pois pensava que a mala poderia ficar parada num
dos degraus e subir de volta, desce as escadas para ir de encontro ao seu
pertence e trazê-lo de volta. Feito isto, volta a subir, carregando-o ainda com
mais esforço, degrau a degrau. Tem ainda mais um lanço de escadas. Não
rolantes. Subindo cada degrau como se a sua vida disso dependesse, chega ao
último da gare correspondente à linha de saída do comboio apenas para ver este
já de portas fechadas, a circular. Ao passar a última carruagem, os cabelos
ainda esvoaçam. Suspira. Olha para o chão. Surgem junto aos seus pés uns
sapatos de homem. Ao seu lado, um respirar ofegante. João.
***
Passou pouco desde as sete da
noite. Ana está confortavelmente sentada numa poltrona da loja do “rent-a-car”.
João está do lado de fora, a falar ao telemóvel. Supõe que poderá estar a dar
alguma satisfação à família, como é lógico. Vai chegar mais tarde a algum
compromisso que poderia ter. Mas foi simpático o suficiente para assumir uma
parte da culpa e insistir em dar boleia a Ana para o Alentejo. Já que ficava no
caminho. Ela não recusou. João pareceu entusiasmado assim que ouviu “Évora”
sair da boca de Ana como sendo o seu destino de viagem. Era pior se fosse para
outro ponto do país! Nesse caso, não lhe poderia dar boleia! E agora, para além
de se sentir prestável, ainda podia usufruir da companhia dela durante mais
algum tempo. Mas ela estava mais concentrada a pensar em toda a situação. Em
ter-se deixado envolver num engate daqueles e perder o último comboio para
Évora. De facto, cada um perdeu o seu comboio. E tudo por causa do tempo que
perderam na diversão.
- Devemos chegar a tempo, se
formos depressa. – diz ele, entrando na loja. – Vamos, o carro está estacionado
no parque.
Em alguns minutos, estão a sair.
Rumo ao Sul. E agora não há mala para arrastar. João conduz. Ana olha pelo
vidro, ainda a pensar como foi parar àquele assento. Nem repara na cara de
feliz que João exprime. Mas predomina o silêncio entre os dois.
O traço descontínuo da
auto-estrada vai passando rapidamente. Os olhos de Ana já estão cansados. O
mesmo cenário. Já é altura de olhar para o outro lado. Ao virar a cabeça,
observa o rapaz. Bonito. Atraente. Só agora é que repara nas feições dele.
Sorri para dentro. Subitamente, é apanhada em flagrante. João sorri-lhe de
volta.
- Desculpa por isto tudo. – diz
ele. – Não foi propositado, mas por outro lado… ainda bem.
- Pois… Podia ter sido pior.
- Mas continuo a adorar a tua
companhia.
Ana não responde, mas ele prossegue:
- Agora que estou a levar uma
estranha num carro que não é meu… Ou seja… Uma vez que estamos em território
neutro… - e silencia.
- Sim? – pergunta, curiosa.
- Queres dizer-me o que fazes da
vida?
Ana suspira e acede.
- Sou advogada.
Sente o telemóvel a vibrar.
Desta vez não é uma mensagem de texto. É uma chamada! Retira o telefone da mala
e atende. Era a sua tia Rosa. João aguarda pelo fim do discurso.
- Sim, tia… já estou no comboio.
– olha para João e deita a língua de fora, fazendo este rir silenciosamente. –
Não, não é preciso! Eu apanho um táxi na estação. Não se preocupe, eu tenho a
morada. Até logo, então.
Desliga.
- Bem, já percebi que não vais
para Évora em trabalho. – afirma João, convencido.
- Pois não. Vou visitar a
família. Pensei que isso me faria bem, largar o trabalho por uns dias.
Infelizmente, o meu trabalho é sempre no mesmo sítio. O mesmo já não se pode
dizer do teu.
- Ah, pois não! Eu ando sempre
cá e lá.
- E não me chegaste a dizer o
que fazias… - indaga ela. – Tivemos uma falha na comunicação…
- Sim, pois foi. Então, trabalho
numa empresa de importações e exportações. Sabes como é… Negócios, viagens,
hotéis, aviões, comboios… - recosta-se para o lado dela com a cabeça. - … ou a
perda deles.
Ri-se, mas não obtém resposta
igual. Esperava que Ana compactuasse e achasse piada à situação. Mas não era o
caso. Tenta animá-la, puxando cada vez mais pela conversa.
- E casar?... Um dia destes?
- Não tenho tempo para pensar
nisso.
- Bonita como és… não seria
difícil.
- Olha, não queres mudar de
assunto?
- Pronto, desculpa. – responde
ele. – Não queria ofender. Só te estava a querer dizer que uma mulher como tu
deve ter potenciais interessados…
- Não tenho tempo para amar.
João surpreende-se com a
afirmação e decide investir noutro nível.
- Mas tens tempo para fazer
amor… - insinua, apertando a língua com os lábios.
- Toma mas é atenção à estrada.
- Só preciso de uma mão para
segurar o volante.
Silêncio.
Continua o silêncio.
Lentamente, João debruça a mão
direita sobre a perna de Ana. E ela permite, embora um pouco incomodada. A mão
vai puxando muito lentamente a saia para cima e passando os dedos por entre as
pernas, vai afastando-as. Ana deixa-se levar, fechando os olhos. Já os dedos
dele tocam na roupa interior. Se não fosse aquele pequeno pedaço de tecido,
estariam a penetrá-la. Mas estes dedos são mais capacitados do que ela pensava
e rapidamente contornam o bloqueio, puxando-o e invadindo a parte interior. Já
estão a entrar. Ana agarra o cinto de segurança com força, apertando-o contra
si. João masturba-a lentamente, provocando-lhe arrepios. Já não está totalmente
sentada, pois a cintura faz força para se levantar. Com cada vez mais
intensidade, os dedos percorrem o interior da vagina, estimulando todos os sentidos
de Ana, fazendo-a ofegar e gemer. Não muito tempo até ela fazer sinal para
interromper, pegando-lhe no pulso. João olha para ela, sorri, retira os dedos e
encosta-os aos seus próprios lábios, lambendo-os. De seguida, trinca os lábios
de prazer, voltando a olhar de frente para a estrada. O telemóvel está a tocar,
mas desta vez ninguém o ouve. Continua com o som desligado, apenas a vibrar.
Prosseguem caminho, em silêncio. Só a cabeça de Ana não está em silêncio. Algo
a incomoda.
***
Falta pouco para chegar a Évora.
A auto-estrada ficou para trás há um bom bocado. Já é noite. João parece
ansioso. Ana sente isso e pede-lhe para parar o carro. Estacionam perto de umas
casas. Suspirando, ela dobra-se no banco, afaga o cabelo, levanta a cabeça e
observa o rapaz. Suspira novamente.
- Vou ter de ser sincera
contigo…
Ele, mostrando-se interessado,
sorri e agarra na mão dela. Ana retrai-se e interrompe qualquer movimento,
começando a discursar.
- Espera, deixa-me falar. – e
prossegue pausadamente. – Quero que saibas que estou-te muito agradecida por me
teres dado boleia para cá. Nunca pensei que hoje fosse acontecer o que
aconteceu, mas espero que não leves isto em conta, pois não significa nada. Eu
e tu não somos nada…
- Joana… - interrompe.
- Não! Deixa-me falar! Eu não… -
aguarda uns segundos e prossegue. – Eu não estou solteira… ainda. Até há uns
dias atrás, estive casada com um homem. Quer dizer, ainda sou casada, mas para
mim aquilo terminou…
- O que aconteceu? – voltou ele
a interromper.
- São coisas da vida… és muito
novo para entender… Casámo-nos muito cedo, fartámo-nos muito cedo um do outro,
acabámos por seguir vidas diferentes, mais por causa do trabalho… Ele
empenhou-se demais no trabalho, se calhar eu também… Éramos duas pessoas muito
diferentes a viver na mesma casa. E mal nos víamos. Ah! Sim… E eu não sou
advogada. Sou empresária e tenho a maior parte do meu tempo ocupado.
- Percebo… - murmura o rapaz,
com um ar mais comprometido.
- Talvez percebas, não sei… Mas
quero que vejas isto como uma coisa que aconteceu e que não voltará a
acontecer. Nunca me vi numa situação destas. Gostei, sim. Mas ficamos por aqui.
- Eu entendo e também vou ser
sincero contigo. Espero que não fiques chateada…
Ana acena com a cabeça e deixa-o
falar.
- Eu também gostei muito de
estar contigo e sei que não poderei voltar a estar… Porque tenho namorada…
Não muito surpreendida, Ana
pergunta:
- E ela estava em Lisboa, certo?
- Não. Ela está em Faro… à minha
espera. Fui telefonar-lhe a dizer que vou visitar os meus pais a casa…
Ana interrompe.
- Pronto, tudo bem. É a tua vida. Eu não preciso de saber,
portanto não precisas de me dizer. Eu é que me estava a sentir mal com a
situação. A verdade é que a história com o meu marido não ficou resolvida.
Envolvi-me contigo porque não tinha sexo há muito tempo. Há anos, por acaso.
Achei-te um rapaz muito giro e atraente e agarrei-me ao momento. Mas foi só
isto… Desculpa…
- Não tens de pedir desculpa. O porco aqui sou eu. Eu é que
tenho uma relação boa e ando a tentar estragá-la, não sei porquê… Talvez por
tédio…
- E tens tempo para isso? Pareceste-me ser muito ocupado…
- Também não fui verdadeiro contigo nesse aspecto… Eu nem
sequer trabalho… Sou estudante em Faro, na universidade.
- O quê?! Mas que idade é que tu tens? – pergunta Ana,
exaltada.
João respira fundo e responde:
- Vinte e três…
Ana revira os olhos e suspira.
- Bem… está provado que isto foi um erro. É melhor irmos
embora daqui.
- Espera… Tenho mais uma coisa para te dizer…
- Não! Não quero ouvir mais nada. Desculpa, mas é melhor
ficarmos por aqui, mesmo. Guardamos isto para nós e continuamos com a nossa
vida.
- Mas eu gostava de voltar a ver-te… Ou pelo menos, poder
falar contigo…
- Mas porquê? Somos estranhos um para o outro!
- Eu sei! Mas gostei mesmo de ti, de te conhecer… Não é o
sexo que me interessa, mas sim o que tu és… E quero o melhor para ti… Acho que
és metade do que dizes… E muito mais do que pensas…
- Desculpa, João, mas é melhor irmos embora.
- Mas deixa-me ao menos…
- Não! – interrompe Ana. – Vamos, por favor! A estação é já
ali à frente.
O rapaz cala-se e acata a ordem. Ana não deixa de pensar na
“metade do que ela seria”… Será que ele percebeu que o falso nome que ela lhe
teria dito era mais do que o seu verdadeiro? Mas nem era bem metade… Raios
partam o puto! No que eu havia de me meter… Questionou-se se deveria dizer o
seu nome. Concluiu que não. Não valia a pena.
Alguns minutos depois, chegam perto da estação e Ana faz
sinal para ele parar antes. Ao encostar, Ana mete a mão à porta para sair.
Respira fundo.
- Aponta o meu número. Diz-me depois se chegaste bem…
O rapaz, sorrindo, pega no seu telemóvel e guarda o número
que lhe é indicado e com o nome Joana. Ela sai, olhando para João com um leve
sorriso. Abre a porta de trás para tirar a mala de viagem, fecha a porta e
segue pelo passeio, sem voltar a olhar para o carro, dirigindo-se a uma praça
de táxis. João ficou parado, dentro do carro. Observou Ana a entrar num táxi e
seguir caminho. Ainda com o telemóvel na mão, decide telefonar.
Dentro do táxi, Ana sente o
telefone a vibrar. Lembra-se então que poderia ser a tia Rosa a tentar saber
onde ela estaria. Ao pegar no telefone, este desliga-se. Pudera, com tantas
mensagens do Mário a entrar! Aquele estúpido! Deve estar tão arrependido! Mas
Ana não teve tempo de ver sequer quem lhe estava a ligar.
Finalmente, a casa da tia Rosa!
A fome já aperta, mas a vontade ir à casa de banho é maior. Até vai parecer
mal, entrar assim em casa da senhora, que não vê há quase vinte anos e pedir
logo para usar a sanita! Ah! A tia Rosa… Aquela mulher da família, sempre
disposta a ajudar o próximo, a única que deitou a mão a Ana. Não fosse a mãe
desta ir logo a correr contar sobre o divórcio da filha assim que soube. Foi o
que motivou a viagem de Ana a Évora, cidade que não visitava desde criança.
Estar com a família, da qual estivera sempre afastada, desde que os pais se
mudaram para Lisboa. Foi a própria tia Rosa que sugeriu que a sobrinha viesse
passar uns dias ao Alentejo. E era mesmo disso que Ana estava a precisar!
Sai do táxi em direcção à porta
de entrada. Bate à porta e em pouco tempo a sua tia a recebe com todo aquele
típico acolhimento português, ignorando por completo o motivo da visita, pois
ninguém tem nada a ver com isso. O que interessa é que a sobrinha Ana veio para
ficar uns dias e espairecer com os ares alentejanos. Após toda a calorosa
recepção, com o tio a falar muito alto e os primos de braços cruzados a olhá-la
de alto a baixo, Ana pergunta à tia onde é a casa de banho. Mas não sem antes
lhe pedir para ligar o telemóvel a uma tomada para carregar um pouco. Ao entrar
no compartimento, senta-se na sanita e respira fundo, pensando no dia que teve,
na experiência que passou. Agora tudo parece tão rápido. Começa a rir-se
sozinha, lembrando-se de alguns pormenores mais sórdidos. A pele dele. As mãos
dele. Aquele rabo! Todo ele perfeito. Mas não neste mundo. Não no meu mundo. A
memória é tão insistente nos pormenores, que Ana consegue sentir o perfume de
João, tal e qual como sentiu no elevador do centro comercial. Ainda consegue
sentir o cheiro dele nela própria. Lava as mãos, olhando-se ao espelho. Já fiz
a porcaria. Já me vinguei. A partir de agora: vida nova.
Prepara-se para sair, ouvindo o
reboliço que páira na sala. Metade da aldeia está a chegar para ver a rapariga!
A mesa está servida para cerca de dez pessoas. Ainda não é hoje que vai haver
paz!... Abre a porta e vira para o corredor onde, em cima de uma pequena mesa,
está o telemóvel a receber carga. Liga-o. Lembrou-se que não tinha ficado com o
número do rapaz, sentindo uma enorme vontade de lhe pedir novamente desculpa.
Esperava, portanto, por uma mensagem dele quando este chegasse a Faro.
No ecrã aparece informação de
trinta e duas mensagens por ler e de meia dúzia de chamadas não atendidas. Ao
abrir a lista de chamadas, repara que as últimas foram da tia Rosa e todas as
outras do estúpido do Mário.
- Tia Rosa, tentou ligar? –
grita Ana do corredor.
A tia não responde e Ana decide,
calmamente, aceder à caixa de entrada de mensagens de texto. São todas do
Mário. Mário. Mário. Mário. Mário. Mário… Excepto a mais recente. De um número
que ela não tem guardado. É dele! É o João! Eu sabia!
Caminhando pelo corredor muito
lentamente enquanto que lia a mensagem, ignorando o barulho que vinha da sala,
com tanta gente à mistura e tudo em tom de festa, a tia Rosa vai passando por
ela várias vezes, transportando os tachos de um lado para o outro e
respondendo.
- Sim, tentei há um bocado…
“Joana,
não consegui aguentar e tinha de te dizer alguma coisa agora. Estou neste
momento sentado no carro e não consigo sair daqui sem te dizer isto…”
- … mas parecia que ficaste sem bateria, porque a chamada
foi abaixo…
“Foste
muito especial para mim e não quero que penses que quero algo sério contigo. Como
te disse, tenho namorada e nem para ela sou fiel…”
- … ainda pensei em ligar outra vez, mas pensei logo que
devias estar a chegar…
“Fui
a Lisboa para me encontrar com uma rapariga que conheci pela net, mas nem
aconteceu nada porque arrependi-me e quis voltar para Faro…”
- … depois a tua prima Célia
ligou a dizer que chegava atrasada…
“Não
me deixaste falar no carro, mas eu ia dizer que os meus pais são daqui de Évora
e vou aproveitar para ficar aqui este fim de semana para a minha namorada não
desconfiar…”
- … e olha! Nem imaginas! O teu
primo Jorge também ligou a seguir porque veio cá para nos ver este fim de
semana…
“Espero
que fiques bem e que digas qualquer coisa quando te apetecer…”
- … deve estar aí a chegar, diz que veio agora do Algarve.
“Já
agora… quero que saibas que o meu nome verdadeiro é Jorge. Beijos… por esse
corpo todo.”
Alguém bate à porta. E Ana já
sabe quem vai entrar por ela. Agora sabe.
O tempo congela. Tudo parou de
repente. Apenas a mente de Ana está a funcionar, a tentar perceber.
escrito por: "Tuga"