quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Cuidado com o que desejas



(imagem retirada da internet)

Noites longas. Uma multidão de gente à minha volta. No meio das pessoas consegue-se quase perceber a situação que estão a passar naquele momento. A situação interior. A que não deixam que ninguém veja, mas que querem a todo o custo que seja entendida por alguém até desconhecido. Numa destas noites, foi-me apresentado o rapaz. Nem me lembro a que propósito. Mas não me esqueço, sim, que num instante algo cá dentro me fez parar no tempo. Desconcentrar. Olhar para o lado, fechar os olhos, voltar a olhar para ver se ele ainda estava lá. E estava. Era real. Giro e atraente, nos meus bons termos. Apostei que ele teria cerca de vinte e três anos de idade, mas estupidifiquei-me quando soube de fonte directa que afinal ainda ali rebentavam os dezassete. Como que uma faca a trespassar-me o coração, morri por dentro e congelei por fora, mantendo um sorriso de frustração. De facto, as feições dele não aparentavam a idade que tinha. Há aqueles que parecem mais novos e aqueles que parecem mais velhos. E estes têm sempre a particularidade de ostentar traços masculinos que normalmente só se vê em capas de revista. Enfim, o pormenor da idade interessou-me para saber com que tipo de mentalidade estaria a lidar, pois mesmo para desenvolver uma conversa teria de me adaptar, como um professor se adapta às várias faixas etárias dos seus alunos. E novamente, este seria mais um "filho" para a minha colecção. Entenda-se um "filho" como um daqueles amigos da noite, que vamos vendo com alguma regularidade, que vamos sabendo com quem andam e dos sucessivos desgostos amorosos que apanham, que vamos abraçar e reconfortar quando se sentirem sozinhos e abandonados, que iremos piscar o olho em tom de sinal único que só nós os dois conhecemos, a quem perguntaremos o que se passa quando os sentirmos apáticos.
                Mas apatia foi coisa que nunca vi neste gajo. Nas várias noites que foi aparecendo ao pé de mim, estava sempre bem disposto, pulava, gritava... e fazia questão de me tirar o ar sério da cara. Eu ali a tentar manter uma postura sarcástica, e ele a fazer-me cócegas. Tentava responder da mesma forma, mas ele fugia. Com o passar do tempo, fomo-nos conhecendo um pouco melhor, já fora do ambiente habitual. O espanto que era saber que naquela cabeça jorravam litros de cultura sobre determinados assuntos que para mim também eram interessantes. Cativou-me muito por isso. Tive de pensar sozinho várias vezes em como eu próprio teria de ter cuidado com o que desejava. E sim, eu desejava-o. Mas não sei bem como... Seria a nível sexual? Não. Seria a nível emocional? Não. Seria a nível afectivo, querendo-o como um amigo no meu muito fechado círculo de amigos? Talvez, mas duvido um pouco, porque não se coadunava com os restantes. Era, portanto, uma espécie à parte. Uma espécie a manter. Um rapaz a enjaular com uma grilheta e manter enclausurado para sempre numa cave, onde eu visitaria quando necessitasse de me lembrar que há pessoas muito novas que ainda pensam e agem com todos os parafusos.
                Apaixonei-me, sim. Mas apaixonei-me sem reacção, sem nada fazer. E sem nada querer sentir. Queria-o para mim, sabendo que jamais poderia ser meu. Queria não fazer amor com ele, pois sabia que jamais seria para sempre. Desejei-o desde o primeiro momento em que o vi. E continuei a desejá-lo, mesmo sabendo que tal desejo alguma vez fosse desaparecer. Não o esqueci, nunca. Mantive-o aqui dentro, como uma memória, pois aqui dentro tudo é possível. Tudo é infinito. E aqueles momentos que pareciam caminhar para o impossível guardaram-se, como quem escreve um livro.

*****

5 ANOS DEPOIS...

*****

                Circulava eu em direcção a casa, passando pelas avenidas já quase desertas da cidade, quando o telemóvel apita e recebo uma mensagem. Era o rapaz, a perguntar se era eu que ia naquele carro. Respondi prontamente e estacionámos perto dali, num sítio mais isolado. Eu cheguei primeiro, por isso fiquei com aquela expectativa de ver a cara que já não via há vários anos. E fiquei estupefacto ao notar que algo estava diferente, mas não muito. Acho que noutra situação não o reconheceria. E sim, era mesmo ele. Senti o coração a bater a mil à hora. Em poucos segundos, perguntei-me se ele estaria igual, se ele me iria fazer cócegas, se me iria falar do que tinha andado a fazer este tempo todo, se me ia tocar nos braços e empurrar-me como sempre fazia. E como os amigos normais que se costumam ver com regularidade, olhou para mim, pegou no tabaco e nas chaves do carro e veio para o meu carro, para o lugar do pendura. Reagi naturalmente, como se nada fosse.
                - Então? - gritou ele. - Há tanto tempo que não te via, que não sabia nada de ti!
                - Pois, é verdade. Acontece... Estás mais gordo.
                - Eu não estou mais gordo, estou crescido. Eu cresci.
                - Desculpa?... Eu conheço essas pernas. Estás mais gordo e ponto final.
                Na verdade, estava só um bocadinho... preenchido, digamos. Porque quando o conheci, a estatura dele era bem magra. Não muito alto, mas magrinho. As feições eram as mesmas, mas mais... masculinas. De facto, tinha crescido. Lamentou-se com o facto de não andar a fazer exercício físico. E que então seria por isso que o corpo dele não estava cuidado, mas que iria tratar disso assim que tivesse tempo. Mal sabia ele o quanto eu o preferia assim. Assim... ou de qualquer maneira. Mas a minha função aqui sempre foi olhar, observar, ouvir, aturar. Cada vez que estava com ele, sentia-me perseguido por placas amarelas e vermelhas, a voar à volta dele com asas de anjinhos e com letras bem garrafais "NÃO MEXER", "ATENÇÃO! REDE ELECTRIFICADA!", "NÃO É PERMITIDA A ENTRADA A PESSOAS ESTRANHAS AO SERVIÇO", "CUIDADO COM O CÃO"... Do género: olha, mas não toca. E sempre respeitei essa regra. Ignorei sempre se na realidade queria mais do que isso ou não. E afinal, o que seria o "mais"?
                E ele falava, falava, falava. Eu respondia serenamente. Respeitando o espaço de cada um. Foram poucos os minutos até eu ouvir a afirmação:
                - Nem sei porque é que passámos tanto tempo sem falar...
                E de repente as placas evaporam-se. Até parece que consegui ouvir o som de bolhas a rebentar sucessivamente. Arregalei os olhos e procurei uma justificação plausível para responder e cortar o silêncio que se instalou. Retorqui com o facto de já não frequentar tais meios e fui interrompido com o facto de ele ter estado numa relação durante algum tempo, mas que agora estava solteiro. E que assim queria estar. Alívio. Confesso que não esperava ouvir aquela afirmação, pois não tomei em consideração que, da mesma forma que não o esqueci, ele também não se esqueceu de mim.
                A forma de falar que ele tem deixa-me sempre abananado. Ora é capaz de estar a dizer uma piada com um ar muito sério, à espera que eu entenda depressa e que me desfaça em risos. Por outro lado, também consegue em micro-segundos exprimir-se de forma eloquente e, claro está, fazer-me rir quase sem motivo. É essa a grande particularidade. Aquela boa disposição que me é atirada sem esperar nada em troca. Fazia-o mesmo por gosto. E eu começava a sentir-me incomodado. O meu riso já estava a ser forçado; então, para não parecer estranho, parti para assuntos profissionais e familiares. São sempre coisas sobre as quais não há muito para rir. Perdemo-nos durante mais de uma hora naqueles assuntos, entre cigarros e cigarros. Ele já andava a fumar demais; dois por cada um que me apetecia. Já estávamos ali desde as duas da manhã e eram agora cerca das quatro e meia. Os assuntos considerados normais estavam já esgotados. Mas nem eu insisti em demonstrar o quão cansado estava, nem ele se dignou a dizer que tinha de ir embora. Eu queria ir-me embora. Mas... não queria sair dali. Ou melhor, não queria que ele saísse dali. Por momentos, passou-me pela cabeça dar-lhe uma marretada, enfiá-lo na bagageira, pegar fogo ao carro dele mesmo sem motivo aparente, e fugir do país, sem destino. Agora serias meu e só meu.
                Eram poucos os momentos de silêncio, mas sem dúvida este vinha mais da minha parte. Eu continuava sempre a manter a postura de observador. E percebi algo que não tinha percebido antes. Ao olhar para ele, quando virava a cara para o lado, reparei nos pormenores. As sobrancelhas carregadas, o cabelo espetado, a barba serrada por fazer há dois dias, o nariz pequenino, os olhos grandes e profundos, rodeados pelas pestanas negras, o queixo firme com a mandíbula que não parava quieta. Ele falava, falava, falava e eu pensava para mim "Foda-se, parece o Colin Farrell!". Às tantas, tal eu me fixei nesse pensamento, que já me imaginava a chamá-lo por esse nome! O actor tem aquele ar de "cabrãozinho sem dó" e o meu Colin era como que a personificação adolescente do actor. Talvez pela sua incansável aptidão para gozar com todas as conversas. Mas que até aqui pareciam amistosas.
                De todo, o jogo deu uma grande volta. Assim que começou a conversa das experiências sexuais passadas. Passada meia hora, estava eu a meter o cotovelo entre as pernas para esconder uma de várias tesões que ia tendo ao longo do tempo. Ele estava mais atento do que eu pensava e no meio das confissões que nada me interessavam, perguntou:
                - Porque é que estás assim com o braço? - apontando.
                - Para sentir o mínimo de conforto. - respondi eu, como se tal fosse verdade.
                E continuei a ouvi-lo, com o queixo apoiado na outra mão, olhando. De vez em quando, sentia o solavanco por ele me bater no braço direito enquanto que falava, como um acréscimo de atenção. Ao fim de tantos solavancos, deixei o braço cair para cima da perna dele, facto que ia justificar como uma interrupção para fumar um cigarro. Mas não tive a oportunidade para me exprimir, pois assim que a mão caíu em cima da perna, foi logo agarrada pela mão dele. Deixei-me estar. Agora olhava para as mãos dele: uma que gesticulava como que a indicar onde fica a Noruega, o Congo, a China e a Argentina, e a outra a segurar a minha. Em poucos minutos, já um dedinho estava a massajá-la, suavemente. Não demorou muito até que os ânimos se exaltassem e os toques corporais aumentassem para um quase abuso. Desde as carícias faciais às massagens nas pernas, muito perto dos genitais. Pelo meio as brincadeiras das cócegas, que levam sempre a um aperto dos braços, que por sua vez levam a um puxar do pescoço e que por fim se colmatam num olhar provocador que despoleta um beijo. Mas não um curto. Um longo, molhado, quente beijo. Seguido de outros tantos. Calmo, sedutor, sedoso. E quando parecia que ia acabar, revelava-se outro mais forte, sugante, bruto. A provocação continuava com o afastar da boca, metendo a língua de fora como quem diz "Queres? Então vem cá buscar...". E os beijos persistiram durante quase uma hora. Até ao raiar do sol! Com direito a público, que se dirigia para os respectivos locais de trabalho. Podiam claramente perceber o que se passava dentro do carro. Mas também não era nada demais; só dois gajos a curtir um com o outro. O pior seria se percebessem que ao mesmo tempo que nos beijávamos, também apalpávamos as pilas um do outro, por cima da roupa. E estavam ambas bem erectas.
                A partir daqui a coisa tornou-se muito pessoal. O relato de experiências de ambos os lados já estava a surtir um efeito de comparações no âmbito do "e se...". Começaram a surgir as questões começadas por "e se..." que se foram intensificando. Verificou-se um grande interesse da parte dele por saber como é que eu desempenhava o meu papel no sexo. Expliquei exactamente como é a minha postura em várias situações e como é que eu encaro o sexo. Fui interpolado pela pergunta:
                - Se fosse comigo, como é que achas que ia ser?
                Pensei por uns instantes, olhando para o horizonte. Voltei o olhar para ele e disse:
                - Acho que não iria tirar os meus olhos dos teus. Tenho a certeza disso.
                - Ah é?... Parece-me bem. - resposta pouco evasiva dele.
                Levantei o sobrolho. Apercebi-me do quão longe já ia a conversa e do risco que eu estava a pisar. Onde estão as placas imaginárias quando precisamos delas?! Mas agora era tarde, porque:
                - Queres ir dormir comigo?
                - Dormir contigo? - retorqui. - Como assim? Agora?
                - Sim, íamos aí para um sítio qualquer, uma daquelas pensões.
                De facto, o meu cansaço era tanto que se visse uma cama iria mesmo dormir. E sei que talvez não fosse bem esse o propósito daquela pergunta. E não era, claro que não. De tal forma estava a conversa quente, já tinha perdido o número de vezes que as calças me pareceram apertadas, tudo indicava que eu e ele íamos partir para uma cena de sexo.
                E acordei para a vida. Eu sabia que se fosse naquele momento, a coisa não ia correr tão bem. Prontamente, sugeri-lhe que o fizéssemos no dia seguinte, precedido de um jantar a dois. Teve de ser, eu senti que com ele não podia ser sem mais nem menos, a coisa tinha de ser especial. Ele prontamente aceitou. E ficou combinado.

*****

                Acordei com ele no pensamento. Podia ter sido um sonho. Mas não era. Aqui estava eu, prestes a ter um encontro significativo com o Colin Farrell. O meu Colin Farrell. O meu Colin Farrell privado. A minha mente prendia-se ao receio. Ao receio de querer e não querer. Ao receio de viver o que quis, talvez, viver antes. Ao receio de chegar ao momento e dizer que era melhor "isto" não acontecer. Mas principalmente ao receio de que não corresse bem. Conforme foi combinado, ia telefonar-lhe daí a cerca de uma hora. Qual não foi o meu espanto quando vi uma chamada não atendida dele. Sorri, mas abateu-se-me a ideia de que ao ligar-lhe de volta iria ouvir uma desculpa para o cancelamento do encontro. Respirei fundo e liguei. Surpreendi-me, pois o encontro mantinha-se tal e qual fora planeado, sem qualquer alteração nem condição. Fiquei contente por não me enganar no carácter do Colin. Tinha-o em conta. E ele assim se fez valer. Combinámos o local onde nos iríamos encontrar e a hora, ao mesmo tempo que ocupávamos o tempo ao telefone com assuntos banais.
                Como seria de mim prever, sofri um atraso a arranjar-me. "Pior que as gajas". Mas o motivo era válido. Eu não ia sair com um qualquer. Ia sair com o Colin! Não é que tenha feito mais do que o normal, mas sem dúvida perdi mais tempo a lavar-me, vestir-me, pentear-me, ver cada pormenor. Para além do tempo sentado na cama em toalha de banho, a olhar para o chão e a pensar no insólito que estava a acontecer. A tentar disfarçar com uma postura de "é normal, não tem nada de mais"... Nem esperava que ele fosse reparar em algo em mim a nível físico, alguma particularidade, nem me preocuparia com isso fosse com quem fosse sair. Dei mais atenção à minha cara, pois era essa que eu queria evidenciar. Porque também não fazia ideia se iria evidenciar mais alguma parte do corpo. Foi aí que percebi que... não sabia o que ia acontecer. Qualquer pessoa "saberia" à partida no que ia dar. Mas mantive sempre o pé atrás sobre isso. O melhor é nunca criar expectativas. Quanto mais natural uma pessoa se sentir, melhor será a recordação de um momento bem passado. Sem julgamentos. Sem contradições interiores. Sem vontade de mais nem menos.
                Liguei-lhe novamente quando estava a entrar no carro... uma hora depois do que tínhamos combinado! Mas, afinal, eu não era o único atrasado para o encontro. Passada cerca de meia hora, reencontrámo-nos. A minha curiosidade prendeu-se ao facto de ele ter vindo com um boné na cabeça. Mal sabia ele o quanto eu apreciava tal pose. Vinha com calças daquelas largas, à "chunga", ténis espampanantes e coloridos. Levei-o a um restaurante que conhecia e onde se comia muito bem. No caminho, cada vez mais caía na realidade do momento que estava a ter. Só o facto de ele estar ali ao meu lado fez valer tudo. De vez em quando observava-o. Apanhava-o distraído. Continuava a falar, a falar e a falar. Parecia perdido. Durante a refeição aproveitámos para colocar mais conversa em dia, actualizando os assuntos familiares, pessoais, profissionais. No final, ao sair, ainda ficámos no carro a ouvir música e, claro, a falar, a falar e a falar. Acedemos a uma aplicação para pesquisar hotéis e escolhemos um que eu, por acaso, já conhecia e que estava com um preço muito acessível. Ele nem tinha a noção de que é possível passar a noite num hotel a preço mais barato que numa pensão. E com certeza o conforto e as condições são indiscutíveis. Surgiu a dúvida se durante a noite não teríamos fome e, por isso, passámos num hipermercado para comprar algumas porcarias. Trouxemos um pacote de chá gelado, alguns pacotes de leite com chocolate, doughnuts e outros biscoitos.
                Ao chegarmos ao hotel, cerca das dez da noite, e após o "check-in", subimos para o quarto, que ficava no final do corredor. Espaçoso. Cama gigante (seleccionámos essa opção quando fizémos a reserva...). E o melhor de tudo: tinha varanda. Assim não teríamos de sair cada vez que quiséssemos fumar. A casa de banho tinha banheira, espaçosa o suficiente para nos deitarmos lá os dois. Apetecia-me fazer isso. Apetecia-me ter o corpo dele encostado ao meu, sentir as costas dele apoiadas no meu peito, posição através da qual poderia observar de cima o pescoço dele e trincar-lhe as orelhas, sem hipótese de fuga. Mas tal, infelizmente, não aconteceu. Percebi que criei essa expectativa, e que nem tudo acontece como "sonhamos". Pensei que, estando já ali os dois, tudo poderia acontecer. Mas o acontecimento já estava a ter lugar. Largando os nossos pertences, dirigimo-nos para a varanda. Fumar. Apreciar a fabulosa vista. Conversar sobre assuntos banais. O habitual. A temperatura do quarto era bem mais agradável e não tardou muito a nos refugiarmos lá dentro. Despi o casaco e coloquei-o num pequeno sofá que permanecia num canto, como que um voyeur que nos estivesse a pagar para ver "alguma acção". O Colin colocou aqui também o seu casaco. Montei os aperitivos que trouxemos em cima da comprida mesa que ficava à frente da cama. A televisão permanecia ligada num canal de informação onde várias figuras discutiam política.
                Descalcei-me e sentei-me na esquina da cama. Ele não parava de um lado para o outro do quarto. A boa disposição dele e a incansável tarefa de me animar aquecia. O pormenor de haver um espelho por cima da mesa, virado para a cama, despoletou qualquer coisa no olhar do Colin. Observei-o a olhar para si próprio, enquanto que falava. Recostei-me para a cabeceira da cama e quase bati com a cabeça num quadro que aqui se pendurava. Tinha colocado ali por baixo todas as almofadas disponíveis. Cruzei as mãos em cima da barriga, assistindo ao início do espectáculo. Ao falar comigo em tom de brincadeira, ia-me provocando, a quente e a frio, ora colocando-se numa posição mais atraente e parada para o espelho, através do qual nos fixávamos no olhar, ora mudando repentinamente de assunto e começando a dançar ao som do silêncio. Aproximou-se de um dos lados da cabeceira e atirou-se para a cama, deitando a cabeça quase em cima dos meus pés, com uma das almofadas. Formámos um ângulo perfeito de noventa graus, sendo cada um de nós um eixo. Assim ficámos durante algum tempo, em conversa. Tirei-lhe o boné da cabeça e coloquei na minha. Da mesma forma, de tantos em tantos minutos trocávamos de posição em cima da cama. Já estava ele encostado à cabeceira e eu ao fundo. Aproximei-me para tirar outra almofada, mas não uma disponível. Queria uma que estivesse ocupada. Puxei uma das que lhe seguravam as costas, aproximando-me da cara dele, onde larguei um pequeno beijo que lhe interrompia as palavras. Sorriu e respondeu da mesma maneira. Continuávamos a discutir assuntos banais de forma consciente, mas já nos colocávamos em posições mais reconfortantes e íntimas. Cada vez mais perto. Muito perto. Não o suficiente!
                Os pequenos beijos foram sendo cada vez mais constantes. Por vezes, um deles demorava-se um pouco mais, tentando imitar os da noite anterior. As minhas mãos saltaram de alegria por finalmente poderem "picar o ponto". Comecei a percorrer as laterais de todo o corpo. Refugiava o meu nariz no pescoço. Trincava pequenos pedaços de pele. Quando passava de novo a minha cara à frente da dele, olhávamo-nos nos olhos. Dobrava-me sobre ele para o beijar, ao que ele respondia, esticando-se para a frente. Provoquei-o, lançando-me lentamente para trás e fazendo-o vir buscar o beijo. Passava o lábio superior em cada um dos dele, fazendo a língua aparecer de vez em quando e deixando um pingo de saliva que iria novamente buscar. Ele fazia exactamente a mesma coisa. É óptimo quando beijamos alguém que tirou o mesmo curso! Ali nada era forçado. Nada era sem tempo. Nada se deixava por tocar. Despi-me da cintura para cima e atirei a roupa para fora da cama. Puxei-o para mim e tirei-lhe da mesma área a roupa, com igual destino. A receptividade entre os dois estava ao rubro! Enganei-o, fazendo-o pensar que nos encostaríamos. Atirei-me lentamente para trás, percorrendo com a mão direita o corpo dele, dos ombros à cintura, a coxa, a perna, o joelho, passando por trás nos gémeos e terminando no pé, levantando-o. Deixei cair a cabeça para o fundo da cama. Agarrei o pé com as duas mãos e fui apertando por cima e por baixo com a ponta dos dedos. Massagei, ora com jeitinho, ora com força. Fechei os olhos a imaginar a cara que ele estaria a fazer. Percebia-se pelos pequenos gemidos que começavam a ecoar naquele quarto sem insonorização. Por um momento, indaguei se não teríamos "vizinhos" nos quartos ao lado. Despreocupei-me. Queria eu lá saber disso! Mudei para o outro pé. Entre os "É tão bom" e os "Sabe tão bem" que ia ouvindo, trinquei o meu próprio lábio, sorrindo de satisfação. O Colin decidiu massajar-me os pés também. De facto... é muito bom! Puxei o meu corpo mais para o centro da cama e coloquei uma das almofadas para me recostar. Olhava para ele, enquanto que ele me tocava. Pouco durou até ele atirar o seu corpo devagar para cima de mim. Beijámo-nos com muita técnica e astúcia. Levantei-me para me colocar sobre ele. E continuávamos. Ainda nos enrolámos algumas vezes, até ele ficar por cima de mim novamente. Começou a desapertar o meu cinto e desabotoando as calças. Aos poucos, foi puxando-as para baixo até mas tirar por completo. Enquanto isso, eu fazia-lhe o mesmo até ficarmos os dois completamente nús e de corpos encostados um ao outro. Segurei-o pelo fundo das costas, ponto este por onde ia controlando as várias posições dele, enquanto que rolávamos em cima da cama, como dois gatos a brincar em câmara lenta.
                O tempo passava e os preliminares persistiam. Apalpei tudo quanto podia. Chegava a tocar com a ponta de um dedo sítios onde talvez nunca lhe tenham tocado. Senti-me um pianista a tocar uma balada deprimente. O prazer era audível, pois os gemidos eram cada vez mais constantes e intensos. Por vezes, agarrava-lhe pelo queixo e observava a cara dele. Acariciava as curvas desta, percorrendo todo o crânio até à nuca. Ele foi descendo pelo meu corpo até encontrar a minha pila erecta que o esperava. Tomou-lhe o sabor e massajou-a com a língua, por vezes subindo o olhar para verificar se eu estava mesmo a gostar. E é claro que sim! Estávamos agora os dois de joelhos e frente a frente. As pilas tocavam-se e recuavam, ao responder a uma contracção de satisfação. Olhei para o espelho. Sorri e pensei que ele iria gostar do que vinha a seguir. Fi-lo virar-se de costas para mim e agarrei-o, tornando possível a visualização do nosso próprio desempenho. Ele mostrou-se contente com a situação. Com o meu peito, empurrei-o para baixo até nos deitarmos ao comprido, ficando ele com a cabeça pendurada para fora da cama, no fundo desta. Tentei tocar com cada centímetro da minha cara nas costas dele. Percorri a coluna dele com a ponta do meu nariz, largando pequenos beijos. Com os joelhos, afastei-lhe as pernas e acomodei-me no meio. Cheguei com a boca ao rabo dele e trinquei suavemente cada uma das nádegas. O prazer era notável, tal eu sentia o rabo a empinar cada vez mais. Agarrei-lhe os colhões com uma mão por baixo e de seguida a pila, rija que nem uma pedra. Com a outra mão, apalpava o rabo, começando a deslizar com o polegar para o centro... da minha atenção. Com a ponta do dedo, rodeava, rodeava, rodeava. Levei o dedo à boca, salivando-o. Rodeei de novo o buraco, que ficava cada vez mais húmido e descontraído. Deitei-me de novo em cima dele, e levei o mesmo dedo à boca dele. Agora a saliva era a dele. Voltei para trás e rodeei outra vez o buraco. Baixei-me e fui enfiando a ponta da minha língua lentamente lá dentro e à volta. O gemido e o apertar dos lençóis intensificou-se. Não faltou muito tempo até eu estar de novo por cima dele, agarrando-o pela cintura, e preparado para o penetrar. Aos poucos, a minha glande ia tocando e forçando a entrada. Os gemidos persistiam, sempre num tom baixo e com duração de dois a três segundos. Ao começar a entrar "em espaço alheio", lentamente e em movimentos calmos, sentia a concordância dele, que levantava a cabeça e tentava olhar um pouco para trás, como que a chamar-me para me aproximar. Assim o fiz, sem parar os movimentos. A pila entrava cada vez mais. A respiração dele já era ofegante demais para ser feita só pelas vias nasais. A boca tinha de permanecer aberta devido ao pouco ar que já se fazia sentir. De cara encostada um ao outro, apreciávamos o tapete do quarto. Nunca tivémos tanto prazer a olhar para um tapete...
                Um pouco cansados de estar na mesma posição, trocámos. Ele queixou-se que estava com alguma fome. Puxámos os doughnuts e ele começou a comer um. Abri uma das embalagens e tirei o doughnut, segurando-o com a ponta dos dedos. Empurrei o Colin para trás e deixei cair o doughnut em cima do peito. Baixei-me para dar uma trincadela. Fui segurado pela mão dele, dizendo "Espera...". Olhei para baixo e disse-lhe prontamente que o que ele estava a pensar fazer não ia resultar, pois o buraco do doughnut era apertado e frágil e que por isso iria logo partir. Mas ele, a rir-se e com uma insistência danada, foi introduzindo lentamente a pila no doughnut. Não sei bem como... mas a verdade é que foi passando, passando, passando sem se partir, embora se notasse a massa a rasgar um pouco. Ao chegar a meio, disse-lhe que já chegava e ele recostou-se para trás. Nunca pensei vir a comer um doughnut desta maneira, mas fui trincando pedaços à volta da pila dele, até ficar um bocado mais frágil que logicamente acabou por se partir, tirando o resto com a mão. O instrumento ficou coberto de açúcar, o qual não demorou muito a ser derretido pela minha língua, suavemente. Deitei-me de costas. Afastando-me as pernas, posicionou-se por cima, com um olhar maroto e passando a língua nos lábios. Assumi a personificação da Xenia Onatopp ("Bond Girl" e personagem do filme "Goldeneye", cuja particularidade era a de asfixiar homens com as pernas à volta do torax), apertando o corpo dele e puxando-o para mim. Conseguia sentir a ponta da pila dele a tocar no meu cú. Suavemente, ele foi-se baixando cada vez mais.
                Colocou uma almofada por baixo do meu rabo e desapareceu! Coloquei também uma por baixo da cabeça para poder ver o que estava a acontecer. Conseguia ver o cabelo espetado a subir lentamente e a tender tanto para a esquerda como para a direita. Subitamente, foram aparecendo a testa e as sobrancelhas. A língua dele fazia exactamente como eu lhe tinha feito antes. Suscitou-me a curiosidade e esperei ansiosamente para conseguir olhá-lo. Não deixei nunca de sentir a língua quente a tocar e a molhar toda aquela zona. E apareceram os olhos. Fitaram-se nos meus, a abrir e a fechar. Penetrantes. Sedutores. Foda-se! É o Colin Farrell! Se fosse mulher, teria o Colin no cólon. Eu tinha o Colin nos colhões!! Pouco depois, preparado para me penetrar, colocou-se em posição e foi entrando lentamente, enquanto que se dobrava para a frente para me beijar. De vez em quando, eu ia tentando levantar o corpo para chegar mais perto dele, ao mesmo tempo que lhe empurrava o peito com uma mão. Senti o prazer intenso ao tocar naquele corpinho com tudo no sítio. Assim continuámos por alguns minutos até ele parar. A excitação já era tanta que estava na hora de dar o assunto por terminado. Olhando um para o outro, questionámo-nos de "onde terminaríamos o serviço". Não poderia haver melhor escolha: coloquei-me por cima dele em formato sessenta e nove e masturbámo-nos um ao outro até "explodirmos" de prazer. Adrenalina pura a percorrer o corpo de cada um.
                Depois de um minuto de descanso em cima da cama, partimos para a banheira, onde tomámos um banho quente. Ele cantava enquanto que se lavava. Eu ajudava-o na lavagem, passando as mãos pelo corpo molhado. Encostávamo-nos um ao outro, beijando. Depois de secos e mal vestidos, fumámos um cigarro na varanda, sempre conversando. Pouco depois, deitámo-nos. Eram agora cinco e meia da manhã. De lado, agarrei-o, encostando-me às costas e com o nariz no pescoço dele. Meia hora depois, trocámos de posição e assim sucessivamente. Até adormecermos.

*****

                O sol raiou e a iluminação entrava no quarto por entre a abertura das cortinas. O despertador avisou-me que eram horas de aproveitarmos o pequeno-almoço que estava incluído na estadia. Fomos comer e, de volta ao quarto, fumar um último cigarro naquela varanda com a vista fantástica. Demos um último beijo antes de pegarmos nas coisas para ir embora. Parámos no sítio onde ele tinha deixado o carro dele e bebemos um café. Ainda permanecemos aí um bocado até nos despedirmos. Tomámos depois a mesma estrada para casa de cada um, caminho esse que se iria separar. Conduzíamos um atrás do outro, ultrapassando alternadamente. Sorríamos um para o outro em tom de gozo. À frente estava a saída para ele e a continuação da estrada para mim. Deixei de o ver.
                Até aqui, desde que acordei, isolei-me de qualquer pensamento. Assumi o facto de dormir com ele como algo perfeitamente natural ou até habitual. Agora que estava sozinho, podia pensar à vontade no que tinha acontecido. Comecei a relembrar cada momento, cada toque, cada olhar. Aos poucos, ia-me rindo sozinho. Cada pormenor me fazia rir, como se tivesse feito algo que nunca tinha feito antes. Um riso de vergonha. Um riso de parvoíce. Um riso por causa do doughnut. Um riso por causa do tapete. Um riso por ser o Colin. Um riso por causa das almofadas. Dou por mim a rir e ao mesmo tempo a verter lágrimas que me escorriam pela cara. Não fui capaz de me olhar ao espelho. Não quis perceber o que estava a sentir. Mas sei que estava longe de me sentir triste; muito pelo contrário.

                Ocorreu-me o facto de o ter desejado uma vez. Sei que o desejei sem saber de que maneira. Sei que também o desejava da maneira que se proporcionou. Não me recriminei por o ter desejado. Mas tive algo que desejei. Queria-o para mim. Foi meu. Mas porque não o foi quando esse desejo foi despoletado? Porquê agora? Por vezes, a satisfação de um desejo pode servir para percebermos que afinal não era desejo. Afinal podia não ser o que queríamos. Talvez fosse cobiça. Mas se fosse cobiça, eu não teria o mesmo interesse. Não me daria a tanto trabalho nem perderia tanto tempo. Nem teria tanto interesse. Portanto, o meu desejo de há vários anos atrás foi concretizado. A verdade é que não esperei que fosse desta maneira. Não desejei assim. Simplesmente desejei. E aqui jaz a moral da história. É preciso ter cuidado com o que se deseja pois, um dia... acontece.


escrito por: "Tuga"